Conheça um pouco do Vale do Jequitinhonha: Território de Riquezas

Localizado no estado de Minas Gerais, na Região Sudeste do Brasil, o Vale do Jequitinhonha é uma área riquíssima em beleza natural e possui uma vasta riqueza cultural.

História e Exploração Mineral:

A história desse território e o Rio Jequitinhonha, que atravessa suas terras, desde a sua origem em Serro até sua foz em Belmonte, na Bahia, entrelaçam-se. É uma região que sofre a influência das culturas portuguesa, negra e indígena. Antes da chegada dos colonizadores europeus, o vale era habitado por diversos povos indígenas, incluindo os botocudos, aranãs e tocoiós. A exploração europeia iniciou-se no século XVI, com expedições em busca de minerais preciosos, como ouro e diamantes.

Vale do Jequitinhonha
Fonte: Wikipédia

Ao longo do século XVIII, a descoberta de ouro em Serro e de diamantes em Diamantina e Grão Mogol atraiu uma avalanche de garimpeiros que buscavam fortuna nos leitos dos rios e afluentes da região. Isso castigou muito esse território. Assim, o Vale do Jequitinhonha tornou-se um importante polo de ocupação e exploração mineral no Brasil colonial.

Desenvolvimento e Declínio

No final do século XIX, a riqueza do Vale do Jequitinhonha entrou em declínio, devido à concorrência dos diamantes africanos e à uma severa seca. Críticas ao abandono da região foram destacadas no jornal O Jequitinhonha. No século XX, a região foi estigmatizada como o “Vale da Miséria”. Esforços de desenvolvimento, como a CODEVALE, não tiveram sucesso e o reflorestamento com eucalipto gerou mais pobreza. A construção da Usina Hidrelétrica de Irapé, em 2006, e a perspectiva da extração de lítio ofereceram algo de esperança para o desenvolvimento futuro da região. Mas também trouxeram outro o velho temor de a região se tornar um novo Eldorado para a região, deixando a terra arrasada após findar os recursos exploratórios.

O Vale do Jequitinhonha compreende 80 municípios distribuídos em uma área de 85.467,10 km², correspondendo a 14,5% do estado. Dividido em três regiões – Alto Jequitinhonha (próximo à nascente do rio, em Diamantina), Médio Jequitinhonha (em Araçuaí) e Baixo Jequitinhonha (perto da foz, em Almenara, sul da Bahia) -, o Vale apresenta características geográficas distintas em cada região.

No Vale do Jequitinhonha, onde os principais biomas são a Mata Atlântica, a Caatinga e o Cerrado, a região enfrenta desafios ambientais decorrentes das atividades humanas, como a expansão da monocultura do eucalipto e a mineração, ambos afetam a biodiversidade desses ecossistemas.

Fonte: Conheça Minas

Apesar das dificuldades causadas pela exploração de minério e pelas monoculturas, é exatamente nesse território, ao norte de Minas Gerais, na confluência entre a Caatinga, a Mata Atlântica e o Cerrado, que surge a força das mulheres artesãs. Elas encontraram no trabalho com o barro não apenas uma expressão cultural, mas também um meio de impulsionar o desenvolvimento local e gerar renda para suas famílias.

Dona Izabel: A força e o legado da mulher artesã

Nesse contexto, a história das famosas bonecas da região do Vale do Jequitinhonha está intimamente ligada à vida de Dona Izabel Mendes, uma ilustre moradora da comunidade de Santana do Araçari. Izabel Mendes da Cunha nasceu em 3 de agosto de 1924, na comunidade rural de Córrego Novo, falecendo no dia 30/10/2014, aos 90 anos, em Santana do Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha. Ela estaria completando 100 anos em 2024 e deixou um legado inestimável, compartilhando seu conhecimento com todos que buscavam sua orientação, incluindo sua filha e neta.

Dona Izabel Mendes da Cunha completaria 100 anos em 2024.

Izabel Mendes da Cunha, a criadora das famosas moringas-bonecas, foi uma das principais protagonistas dessa história de desenvolvimento, impulsionada pelo artesanato e pelas artes populares. Sob sua orientação, o mundo do artesanato chegou aos artistas locais, e muitas outras mulheres assumiram o papel de agentes de expressão da cultura popular do Vale do Jequitinhonha.

 Exposição “Izabel Mendes da Cunha: Cerâmicas”, Galeria Estação. Foto: Germana Monte-Mór

Encontros de Novas Gerações

A beleza de juntar o “velho” e o “novo” se revela de maneira extraordinária na tradição artesanal do Vale do Jequitinhonha, onde a sabedoria dos mestres encontra as mãos talentosas da nova geração. Dona Izabel Mendes, uma figura que expressa a ancestralidade na comunidade de Santana do Araçari, não apenas transmitiu seu conhecimento para sua filha Glória e neta Andréia Andrade, como também foi mestra de muitas outras artesãs e do promissor artesão Augusto Ribeiro, um jovem de pouco mais de 20 anos.

Joao Augusto Alves Ribeiro
Fonte: Site Pouso e Prosa

Augusto, desde a infância, frequentava o ateliê de Dona Izabel com sua mãe, Alice Ribeiro, também uma ceramista talentosa. O legado de Dona Izabel reflete a importância da memória e da transmissão de saberes na preservação das tradições familiares e comunitárias.

Dona Izabel reflete a cultura de uma região onde as mulheres precisavam se apegar na força resiliente umas das outras. Uma região marcada pelo êxodo temporário de homens, que partiam para outros trabalhos sazonais, deixando as mulheres e crianças sozinhas por grandes temporadas. Foi o barro um potente elo entre elas. Dona Izabel não negava seu saber a ninguém, pelo contrário: multiplicava e, com isso, novas gerações de ceramistas foram se formando e traçando nova identidade ao território tão desafiado pelas adversidades de tempo e da exploração da terra.

Diversidade da Produção Artesanal

A nova geração de ceramistas da região, representada na figura do jovem Augusto Ribeiro, perpetua as técnicas aprendidas na infância e desafia estereótipos de gênero, mostrando que a arte da cerâmica não é exclusivamente feminina – embora elas sejam predominantes. Esse contexto social de interação entre mestres e discípulos é essencial para a preservação da memória cultural e a liberdade para inovação. Nesse sistema de trocas mútuas de aprendizado, os objetos artesanais ganham valor estético e significado simbólico, transformando o território em um verdadeiro tesouro de riqueza cultural.

Outros nomes também despontam na produção da arte que vem do barro do Jequitinhonha, como Zezinha, Noemisa Batista, Adriana Xavier, que além das tradicionais bonecas introduzem novos formatos e utilitários, sejam inspirados na paisagem árida da região ou em parcerias com designers que exploram a riqueza única do Jequitinhonha para oferecer novas perspectivas.

Fonte: Conheça Minas

O Vale é um espaço paradoxal, também reconhecido como terra de poetas do cotidiano, como Maria Assunção Ribeiro e João Alves de Taiobeiras, que expressam nas suas cerâmicas as nuances da vida diária, desde rituais de dança até cerimônias de casamento, revelando a interação temporal entre o ser humano e a natureza.

Obra de Joao Alves de Taiobeiras
Fonte: UFMG

As artesãs e artesãos da região continuam a evoluir em suas técnicas, explorando uma variedade de formatos, desde bonecas até seres fantásticos e utilitários. A tradição oleira e ceramista atravessa gerações, retratando quase sempre comportamentos e rituais locais. Agora, com o advento da tecnologia e da internet, os horizontes se expandem, influenciando as novas gerações e refletindo-se na arte produzida.

Ao realizar esta jornada pelo Vale do Jequitinhonha, é impossível não sentir um profundo apego por essa região de riquezas inestimáveis, um verdadeiro patrimônio nacional. O Vale entrega não apenas beleza natural, mas também nos apresenta uma importante herança cultural, resiliência e força de sua gente. Ao longo dos séculos, a região enfrentou desafios que poderiam ter abalado sua essência, mas em vez disso emergiu e se reinventou com uma identidade ainda mais forte e potente.

Nas mãos das artesãs e dos artesãos, encontramos a alma do Vale, que transforma o simples barro em expressões de beleza e significado. O legado de Dona Izabel Mendes, assim como de tantos outros mestres, ecoa através das gerações e nos lembra da importância da memória e da transmissão de saberes para a preservação das tradições.

Ao testemunhar o encontro entre o “velho” e o “novo”, entre a sabedoria ancestral e a inovação, somos lembrados de que a cultura é uma construção coletiva, enriquecida pela troca constante entre mestres e discípulos. É essa diversidade e essa vitalidade que tornam o Vale do Jequitinhonha um verdadeiro tesouro cultural, um lugar onde a história se entrelaça com o presente, e onde o amor pela terra e pela arte se manifesta em cada peça de cerâmica, em cada verso de poesia.

Ao nos despedirmos deste texto, levamos conosco um pouco de conhecimento e também um sentimento de admiração e gratidão por essa terra e por sua gente. Que o Vale do Jequitinhonha continue a brilhar como um farol de inspiração e resiliência, iluminando o caminho das futuras gerações com sua beleza e sua cultura únicas.

Para saber mais

Em dezembro de 2021, o CRAB lançou a mostra “Pelas águas do Jequitinhonha me deixei levar”.

A mostra reuniu peças em cerâmica de 130 artesãs mineiras do Vale do Jequitinhonha. A iniciativa fez parte das ações do Sebrae de Minas Gerais para divulgar a “marca território”, lançada em outubro de 2021 com o propósito de valorizar a origem e a identidade da região. Entre os produtos em destaque na mostra, estavam as tradicionais bonecas em cerâmica. Além disso, nas vitrines do CRAB também foram apresentadas peças decorativas e utilitários domésticos feitos por artesãs das comunidades de Coqueiro Campo, Campo Alegre (distritos de Turmalina), Cachoeira do Fanado (distrito de Minas Novas) e Santana do Araçuaí (distrito de Ponto dos Volantes).

 

Texto por Mayara Fonseca
Revisão: Graciela Urquiza

 

Fontes:

Vale do Jequitinhonha. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Wikimedia, 2024. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vale_do_Jequitinhonha. Acesso em: 19 mar. 2024.

SEBRAE MINAS. Artesanato no Vale do Jequitinhonha – Histórias de Sucesso. YouTube, 9 de ago. de 2022.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=50N_taM8p8o. Acesso em: 10 mar 2024

MASCELANI, Angela. Caminhos da Arte Popular: O Vale do Jequitinhonha. Rio de Janeiro : Museu Casa do Pontal, 2008. 180 p.

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