24 de junho é dia de São Pedro, uma data importante para muitos maranhenses pois neste dia diversos grupos de Bumba Meu Boi, celebram sua tradição nas ruas do Maranhão. Eles se apresentam para agradecer ao Santo, pagar suas promessas e festejar. Uma tradição desse estado, que pode ser vista em vários locais do Brasil onde migrantes reforçam a proximidade com suas raízes. No Rio de Janeiro, o CRAB acompanhou essa comemoração no ano de 2023 e relata as maravilhas do Boi Brilho de Lucas.

Origem da tradição do auto do Bumba Meu Boi

O Bumba Meu boi é uma manifestação cultural que acontece em diversos estados do Brasil, principalmente no Nordeste e Norte do país e foi eleito patrimônio cultural imaterial da humanidade pela Unesco, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Muito típico no Maranhão, trata-se de um auto que conta a história do boi de estimação mais belo de um fazendeiro. Pai Francisco, escravizado da fazenda, recebe um pedido de sua esposa Mãe Catirina. Grávida, ela tem o desejo de comer a língua justamente do boi favorito do patrão. Chico não podendo negar o pedido, mata o boi e ao ser descoberto ele é preso e torturado. O fazendeiro só lhe concederia o perdão se seu boi voltasse à vida. É então que o Pajé (ou curandeiro) é acionado, e faz um ritual cantando e dançando. O Boi ressuscita dando um grande urro, Pai Francisco é perdoado e todos festejam. Esse auto tem suas variações em diferentes regiões e grupos, mas a base dos personagens principais é praticamente a mesma.

Base cultural e artesanal da produção das peças

O fazer manual é extremamente necessário na manutenção das tradições do Bumba Meu Boi, trazendo as lendas e histórias para vida. Assim, sem o trabalho artesanal das indumentárias e dos objetos, o mundo fantasioso não acontece. Uma tradição que ocupa grande parte da existência de quem está envolvido e constrói a imagética, cultura e estética da região, influenciando diretamente na vida das pessoas.

Existem diversas figuras e personagens que compõem e dão mais robustez aos festejos. Para dar vida a eles, são utilizados vestuários feitos artesanalmente, principalmente por bordadeiras, costureiras e outros artesãos que os grupos contratam. A riqueza de detalhes também traz status para os grupos emestres artesãos são reverenciados e disputados.

As técnicas são bem variadas e não existe manual ou rigidez ao serem transmitidas dos mestres para osde aprendizes. Também há aqueles que começam a bordar por conta própria para pagar promessas feitas a São João, reforçando a conexão religiosa com os festejos. Os principais materiais utilizados nas produções são veludo, couro, miçangas, canutilhos, paetês, pedrarias, penas artificiais e naturais, fitas coloridas, tecidos coloridos, palha, bambu, sementes, fibras naturais entre outros.

Cada personagem tem uma peça típica, como as caretas usadas na cabeça pelos Cazumbás, que dão vida aos animais da mata,  figuras híbridas entre animais e humanos. Existem as caretas menores de tecido e lantejoulas e as torres e igrejas, peças mais inventivas e inovadores que caíram no gosto popular, com estruturas enormes de isopor e ferro enfeitadas com lantejoulas, espelhos, plástico colorido e até mesmo luz de led. No acervo do CRAB é possível encontrar três torres vindas de grupos de Bois do Maranhão, diversas caretas mais simples, roupas bordadas com lantejoulas, assim como um Boi coberto por canutílhos.

Vestimentas coloridas do bumba meu boi
Vestimentas e caretas de torre, Exposição CRAB – Festas Brasileiras. (Foto: Acervo CRAB, 2017)

O Boi, da tradição Bumba meu boi, é a figura principal e é confeccionado por estrutura de madeira, tecido e miçangas. Dentro do boi se posiciona o miolo, que é o brincante, que dá vida ao personagem.

Boi do bumba meu boi com tons de verde
Boi do Bumba Meu Boi do Maranhão, Exposição CRAB – Festas Brasileiras. (Foto: Acervo CRAB, 2017)

Mestre Abel e a suas caretas artesanais

As caretas de caxumba de Mestre Abel ditaram tendências, e seu estilo é reproduzido por outros artesãos. Ele morreu aos 83 anos, no dia 14/07/2023. O maranhense nasceu em Viana e se mudou para São Luís, onde deixou sua marca sendo responsável pelas caretas do Boi da Floresta. Importante artesão e artista, suas peças já percorreram o país em festejos e exposições. O Cazumbá é uma figura mística, trazendo a sobrenaturalidade da floresta, do pajé e a feição de desespero da cara de pai Francisco em uma só peça.

Três caretas do mestre Abel em exposição do CRAB
Caretas de Mestre Abel, Exposição CRAB – Festas Brasileiras. (Foto: Acervo CRAB, 2017)

Espaço Cultural Bumba Meu Boi Brilho De Lucas

O grupo Brilho de Lucas foi fundado por Orlando Silva e sua família há quase quatro décadas. Hoje, ele é o presidente e junto com outros membros organiza os festejos. Maranhense, atua para a manutenção da tradição, junto com uma grande equipe de migrantes do Maranhão e seus descendentes, que ajudam na continuidade às festas. O grupo foi fundado no ano de 1987 em Parada de Lucas, no coração da Zona Norte do Rio de Janeiro, pelo irmão de Orlando. Ele e mais dois fundadores faleceram devido a complicações da Covid. Por isso os festejos deste ano tiveram enorme importância, como homenagem às perdas da pandemia. Festejam todo os anos em um sábado próximo ao dia 24 de junho, data de São João, um dia de fortalecimento religioso e homenagem ao padroeiro da festa. No ano de 2023, contaram com comidas típicas do Maranhão e das festas juninas, bebidas e apresentação de outros grupos de tradição.

Foto do grupo do Brilho de Lucas com a rua enfeitada
Parte do Grupo do Brilho de Lucas. (Foto: Instagram Brilho de Lucas, 2023)

A comemoração acontece na rua Joaquim Rodrigues, 169, em Parada de Lucas, e apesar da região ser conhecida pelo estigma de ser uma das áreas mais conflituosas do Rio, durante a festa o clima é o oposto, com clima de paz e felicidade entre as pessoas de todas as idades e famílias que brincam o São João. Tendo relativa notoriedade no bairro, a festa é tida como um importante evento cultural da regiãoapontada em matérias em jornal e até mesmo na página do Wikipedia sobre o bairro Parada de Lucas: “Existe ainda no bairro o Espaço Cultural Bumba Meu Boi Brilho De Lucas. Grupo folclórico tradicional que todos os anos, no período de festa junina, organiza sua festa e sua apresentação de Bumba Meu Boi.” (Wikipedia, 2023). É evidente o impacto cultural do grupo para além desse território, onde pessoas de outros bairros veem ali um acalanto ao se conectar às suas origens.

A festa e a tradição maranhense no coração do Rio de Janeiro

Apresentação de grupos de Bumba meu boi no Rio de Janeiro
Apresentação de grupos de Boi do Bumba meu Boi. (Foto: Laura Landau para pesquisa CRAB)

A festa tem uma decoração detalhada e imponente. Na rua que fica entre as casas das famílias, foi pintado um grande Boi. As apresentações são feitas em cima dessa pintura, que delimita um “palco”.. A primeira apresentação foi do grupo de Cavalo Marinho – Boi Daqui, composto por músicos e brincantes. Eles começaram com uma roda de coco e fizeram a encenação do auto, em que alguns personagens ganharam destaque, como Pai Ambrósio. Essa é a atmosfera da festa no chão, na rua, onde a população participa mais de perto e mais ativamente. Depois, houve apresentação de carimbó, onde o público dançou junto e apresentação da dança portuguesatípica com coreografia de seis dançarinos.. Em seguida, o Encanto Carioca: Boi Orquestra se entrou no palco com seu boi e seus brincantes. Uma exibição praticamente introdutória para o Brilho de Lucas, que veio a seguir.

É de tradição iniciar o festejo do grupo Brilho de Lucas com uma reza. Os membros se reuniram em volta de um altar onde está o boi e o público ficou do lado de fora. Iniciou-se a ladainha com uma oração do Pai Nosso, direcionada ao altar e todos rezaram juntos. Um momento sereno e de devoção que abençoou o boi e os membros do grupo.

Após esse momento sereno, o grupo começou a se agitar com uma reza mais animada com cantos musicados e instrumentalizados com a precursão. Foi então que o boi saiu em cortejo até o lado de fora, onde os outros grupos se apresentaram. Um corredor do público enfileirado recebeu o grupo dançando e batendo palmas. Os brincantes fantasiados foram festejando, dançando e pulando até o meio da rua. Então se organizaram em roda esperando o Boi chegar. Ele chegou imponente e toma sua roda, girando no interior e se balançando para frente e para trás. Os Brincantes dançaram em volta, rodando ao longo da roda, como num desfile animado, seguindo as batidas dos instrumentos. É uma visão colorida e hipnotizante. Apresentação durou quase uma hora e foi o auge da festa em que diversas gerações festejavam juntas, desde crianças como índias a idosos como brincantes mais tradicionais. Os personagens apresentados foram: o Boi, a burrinha (ou cavalo), oito Cazumbas, oito Índias, oito Vaqueiros, o Amo (eles estavam sem o Pai Chico e a Mãe Catirina).

Existem diversos sotaques que dão o ritmo e musicalidade de cada grupo. O do Boi Brilho de Lucas segue o sotaque da Baixada, uma região no Maranhão com 12 municípios, incluindo Viana, cidade de origem das famílias que organizam o festejo. O sotaque da Baixada usa muitos instrumentos de percussão tais como matraca, caixa, apito, pandeirão médio, pandeiro pequeno e pandeirão. Orlando nos contou que os primeiros pandeiros eram feitos de couro de cobra e outros animais, mas que, ao longo do tempo, a maioria foi substituído por plástico, e hoje não dependem de fogueira para esquentar o couro e poderem tocar.

Apresentação Brilho de Lucas do Bumba meu Boi
Apresentação Brilho de Lucas. (Foto: Laura Landau para pesquisa CRAB)

O Brilho de Lucas é um grupo da sociedade civil, formado por maranhenses que desejam se aproximar de sua cultura a partir da experiência do Bumba Meu Boi, talvez a manifestação cultural mais importante do estado do Maranhão. Na periferia do Rio de Janeiro se transformam em um ponto de luz e cultura, com o objetivo inicial de manter tradições, mas que agora focam também em levar o folclore do Boi para os cariocas. Isto demonstra o grande orgulho que sentem por sua cultura, e o sentimento de pertencimento é tão grande que os move a realizar os festejos todo ano. Com o crescimento e periodicidade da festa, hoje já é considerada parte das tradições juninas de Parada de Lucas e do próprio Rio de Janeiro. A força de um grupo pode trazer grandes impactos para uma região, e a motivação nos laços afetivos, culturais e de festejo conserva a prática e dá significado para a continuidade dessas ações.  Vale a pena participar dessa festa!

 

Fontes:

Pesquisa de campo – CRAB

https://pt.wikipedia.org/wiki/Parada_de_Lucas- acesso 01 de junho de 2023.

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