A exposição “Artesania Ancestral nos 95 anos de Mangueira”, em destaque no CRAB nos anos de 2023 e 2024, exibe os primórdios até os dias atuais da icônica escola de samba representada pelas cores verde e rosa. No encontro entre uma classe popular ativa nas expressões culturais e a Fábrica de Chapéus Mangueira (FCM), que profissionalizou artesãos e aderecistas, a região suburbana carioca se tornou referência nos desfiles e criou uma verdadeira “indústria do carnaval”.

A Estação Primeira de Mangueira, oficializou o seu grêmio recreativo incluindo grupos do subúrbio carioca nas festividades do carnaval. Uniu os blocos do Morro da Mangueira com a proposta de criar um grupo engajado com as expressões étnico-culturais da região, formalizou o estudo do samba como manifestação popular e integrou a tradição afro-brasileira com o brincar carnavalesco. Ao romper com o racismo que impedia os negros de participarem dos desfiles dos brancos, a Mangueira mudou o paradigma da celebração e levou a energia dos terreiros mangueirenses à produção do Carnaval.

A Mangueira, região apelidada pelo nome da grande árvore presentes nos pés do morro, tinha uma população composta de pessoas marginalizadas, dentre eles sambistas e capoeiristas icônicos. Na região suburbana, as relações sociais do povo da Mangueira passavam frequentemente pela questão da escravidão, que tinha sido abolida recentemente (1888). A inclusão dos negros na sociedade era precária e os moradores da área viviam em condição empobrecida. O processo industrial que tornou o povo comprometido com a produção do carnaval começou com a FCM (Fábrica de Chapéus Mangueira), que capacitou profissionalmente os habitantes da localidade e possibilitou o surgimento de oficinas de Carnaval na região.

Fachada da fábrica de chapéus da mangueira
Fachada da Fábrica de Chapéus Manguera. s/d. Acervo Privado da família Fernandes Braga. | Fonte: LEHMT

Após um incêndio em 1896, a fábrica foi reinaugurada em 1898 próxima à árvore que deu nome à região localizada na primeira estação de trem vindo da Central do Brasil. O ambiente se transformou em um centro de oficinas e produção fabril alterando o estilo de vida da região e possibilitando que uma nova fonte de renda ficasse disponível para um povo majoritariamente negro descendente de escravizados, que não foram incluídos adequadamente no mercado de trabalho carioca.

Luta operária e a Fábrica de Chapéus Mangueira

O discurso do operário Antonio Gonçalves Lopes, ampliou as perspectivas progressistas dentro da fábrica de chapéus. Ao associar o desenvolvimento das indústrias brasileiras ao patriotismo e se opor à política liberal da época, colocou os trabalhadores fabris e os políticos dos gabinetes como igualmente importantes no progresso e crescimento econômico do Brasil. Diferentemente das outras fábricas de chapéu naquele período, a Fábrica de Chapéus Mangueira se mostrou estável, eficiente e progressista, principalmente após a reivindicação dos empregados.

Nas primeiras décadas desde sua reinauguração, a fábrica passou por turbulências que acometiam todos os polos industriais na época, como a concorrência entre as fábricas de chapéus e da indústria têxtil, além da mobilização de operários em greves. Entre 1900 e 1920, a organização sindical conflitava com os interesses gerais dos donos da indústria, mas, inicialmente, a FCM possibilitou o fortalecimento da organização dos operários.

O chapéu foi parte essencial do vestuário brasileiro por muitas décadas, era uma peça que representava a individualidade do estilo e a autenticidade. As condições do processo de fabricação dos Chapéus Mangueira possibilitaram a ascensão da fábrica, que estava em contato com a mobilização da Associação dos Chapeleiros. Esta reclamou por mudanças e conquistou melhores condições através do grevismo. O Conselho Nacional do Trabalho, ligado ao governo de Getúlio Vargas, definiu critérios mais rigorosos de listagem e cumprimento de direitos dos empregados da FCM, estipulando funções específicas de acordo com as tarefas executadas, criando uma relação dos empregados a partir de identidade e registro profissional, tornando a relação de trabalho menos informal e mais burocrática.

outdoor antigo fábrica de chapéu da mangueira
CH Rio de Janeiro (RJ) 07/06/2010 Imagens do livro ” De pai para filho – Imigrantes portugueses no Rio de Janeiro ” – Outdoor – Chapéu Mangueira – Foto Divulgação

Foram adotadas novas instruções para os mestres fabris que possuíam qualificações desejáveis, de forma que a Fábrica de Chapéus tenha continuado a demonstrar um empenho admirável em capacitar especialistas no trabalho, influenciando toda a região da Mangueira que se tornou um polo industrial relevante em escala nacional. O ideal de operário para os donos da fábrica adquiriu valores morais, ligado à religião evangélica, exigindo dos trabalhadores alinhamento com os interesses e valores éticos da fábrica.

Em suma, podemos compreender os diferentes processos que tornaram a Fábrica de Chapéus Mangueira em uma importante produtora de chapéus e posteriormente adereços, fantasias, que impulsionou a cultura carnavalesca da Estação Primeira de Mangueira, fundada em 1928 por sambistas do Bloco dos Arengueiros. As expressões culturais e religiosas do povo mangueirense foram impulsionadas pela fundação da escola de samba, fornecendo material pra a realização das comemorações e surgindo como importante polo fabril possibilitando renda e capacitação profissional da região.

Para saber mais sobre a história do carnaval da Mangueira e como a Fábrica de Chapéus Mangueira criou uma tradição artesanal no subúrbio carioca, visite a exposição “Artesania Ancestral nos 95 anos de Mangueira” no Centro SEBRAE de Referência do Artesanato Brasileiro, aberto à visitação de terça a sexta, das 10h às 17h, na Praça Tiradentes, situada no centro do Rio de Janeiro.

 

Texto por Lucas Lofrano, supervisão Laura Landau

 

Visite a exposição da mangueira, Artesanía Ancestral nos 95 anos de Mangueira, no CRAB.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

VAZ DE MACÊDO, Cibele Mariano; NUNES ANDRADE, Regina Gloria. Mangueira: a cultura comunitária e o centro cultural cartola. Pesquisas e Práticas Psicossociais, São João del-Rei, v. 10, ed. 2, dezembro 2015.  

Pepsic

SANTOS, Lyndon de Araújo. O MUNDO do trabalho carioca: chapeleiras e chapeleiros na Fábrica de Chapéus Mangueira (1920-1940). Mundos do Trabalho, [s. l.], v. 12, p. 1-22, 2020.  

UFSC

ALVES, Heloisa; PEIXE, Fernando Antônio; DE SANT’ANNA, Rubens. In: História da Mangueira?. [S. l.], [?].  

Mangueira

SANTOS, Lyndon de Araújo. HISTÓRIA DOS CHAPÉUS MANGUEIRA: UMA FÁBRICA MISSIONÁRIA NA NOVA ORDEM REPUBLICANA (1898-1920). Revista História (São Paulo), São Luís, MA, ed. 41, 8 ago. 2022.  

Scielo

Abet

Diário do Rio

 

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